R. Roldan-Roldan é o tipo de escritor que escreve compulsivamente e a cada publicação, sempre fiel ao seu estilo, nos brinda com textos inteligentes, irreverentes, reflexivos e imersos na alma humana.
Foi neste contexto de início do ano de 2020, além dos desafios e as incertezas trazidas pela pandemia da Covid-19, dos desvarios e incompetência de um pseudo líder e da crise econômica, que Roldan-Roldan nos apresentou o seu mais novo lançamento: “O Enigma do Black Angel”.
Os contos de seu 38º livro não retratam a pandemia, mas retratam a maioria de suas vítimas, aquelas pessoas quase sempre ignoradas, esnobadas e à margem da sociedade. Os personagens de “O Enigma de Black Angel”, são aqueles seres bem resolvidos consigo mesmos ou os excluídos, seja economicamente, seja culturalmente. Por serem o que são, ferem a falsa moralidade de certas camadas sociais preocupadas com o dinheiro, não com a vida. Difícil não traçar um paralelo entre as histórias do livro e a nossa realidade, pois, esperava-se que o novo coronavírus proporcionasse mais demonstrações (e elas existem!) de solidariedade, de empatia. Entretanto, nos entristece perceber a existência de pessoas as quais se dedicam, de forma gratuita, a provocar e a desprezar o ser humano.
Na definição do autor, seus contos representariam “narrativas onde o surrealismo invade o registro realista. Bukowski dialogando com Fellini”. Desta fusão, aliada ao estilo roldaniano (a busca da identidade, o erotismo, a metalinguagem e o surrealismo), surge a força de “O Enigma do Black Angel”.
No conto “O Gigolô Honesto”, um escritor recebe uma espécie de proposta indecente. Uma senhora de grandes posses oferece-lhe ajuda financeira, a fim de que ele possa se dedicar com afinco ao seu trabalho literário. Em troca, ela quer a sua companhia. “Quanto à moral burguesa, que se dane. Estou acima dela. Jactância? Sim, e daí?”
Em “Sonho Salpicado de Pesadelos”, o escritor, numa caminhada onírica, revê entes queridos, como também seres grotescos que povoam e infernizam o atual panorama brasileiro. Há uma mistura de passado e presente, de impressões trazidas por uma viagem existencial e a construção de uma crítica lúcida dos acontecimentos recentes.
Em “Pau de 80 anos”, David Haize, o alter ego de Roldan-Roldan, em tom desbocado, descontraído e, às vezes, chocante, no melhor estilo roldaniano, relata o seu amor por uma garota. Ao longo do texto, ele nos fala da velhice irrequieta e cheia de desejos de um homem, em contraposição à mediocridade e falsa moralidade que tem tornado as nossas vidas mais frias e sombrias. “Ainda bem que o meu caralho de 80 anos não dói e funciona. Graças a Afrodite. Ou aos exus”.
Fortemente autobiográfico, em “A Náusea e a Torre”, David Haize depara-se com morte, reencontros e com a fuga.
“Entrei numa cabine. Vomitei. Defequei. Depois de evacuar pela boca e pelo ânus tudo o que sentia, limpei-me e dei descarga.”
O reencontro com velhos amigos não trouxera a alegria e o prazer desejados. As pessoas mudam ou, talvez, o distanciamento e o tempo nos beneficiem com a vivência e a lucidez necessárias para enxergarmos o que não víamos durante a juventude.
Daí veio a fuga para Haize. Para uma torre? Ou seria um farol? Lembranças e saudades de pessoas e lugares que verdadeiramente foram importantes. E, assim, o autor define a sua viagem: “Quando mentes e corações envelhecem, nada melhor do que refugiar-se numa torre onde a imaginação solta as amarras e voa em direção ao âmago do ser”.
Desta forma, a narrativa de R. Roldan-Roldan flui ao longo dos outros contos, mostrando-nos personagens fortes, reais e questionadores, longe dos clichês romantizados e das mensagens edificantes.
J. Campos
Barueri, 23-05-2020